Quero falar da minha avó
Rita, a mãe do meu pai. Embora fosse uma mulher de vida humilde, ela tinha uma personalidade forte,expressão autoritária, não tolerava qualquer
desrespeito e não sabia lidar muito bem com a família e nem com as pessoas em geral.
Além do meu avô, moravam
com ela, minha tia e suas 02 filhas, ou
seja, uma filha dela e duas netas que praticamente foram criadas pela avó.
Minha avó Rita era muita
sisuda, conservadora e gostava de uns palavrões. Não era fácil deixar que os
devaneios infantis tomassem conta do seu ambiente. Sempre exigente com a vida, dava
ordens a todos e ai daquele que não a respeitasse.
Minha avó era assim,
ignorante na sabedoria do conhecimento, era analfabeta, e por vezes não
sabia como lidar com a ternura daqueles que sempre estavam ao seu lado, para
ela não existia meio termo, ou era 8 ou 80.
Uma caminhada lado-a-lado
com a minha avó, essa fase posso dizer que foi dura, mas foi a vida avançando,
necessário como o tempo, raízes que vingaram. Hoje posso dizer que a entendo,
carregamos dela lembranças e a genética
da família.
Atualmente conto para
minhas filhas algumas histórias dessa época e elas ouvem interessadas em saberem como a vida lá atrás
era diferente do tempo delas.
Sempre conto o episódio da
televisão. Gostava de ir a noite para a
casa da minha avó assistir um pouco da programação daquela época. Junto com as primas sentávamos
no chão da sala e ali ficávamos imóveis e quietas. Minha nossa, quando passava
a novela e tinha uma cena de beijo ela brigava com a gente e ordenava para
taparmos os olhos. Muitas vezes eu ficava com os dedos entreabertos e ela nem
percebia, rsrsrsrsrs. Minha filha Giulia repete esse gesto quando tem beijos na
TV.
Ah! E o Roberto Carlos!
Esse era de verdade um rei para ela. Todo fim de ano ela não perdia um show do
rei, sempre estava lá, na frente daquela televisão de olho arregalado
assistindo o programa. Esse momento era sagrado.
Roberto Carlos - Decada de 60 |
Lembro do rádio em cima da
cristaleira onde todos os dias às 18
horas ela colocava um copo com água e ouvia a Ave Maria, ao final se benzia com
o sinal da cruz e bebia sua água. Lembro também de um delicioso feijão que
somente ela fazia em um fogão a lenha que tinha no quintal e que só chamava de “oitão ”, rsrsrsrs.
Oitão – palavra que significa a parede
lateral de uma construção ou o limite entre as paredes laterais de duas casas
formando um corredor entre elas.
Meu
avô, nós o chamávamos de “Pai véi”, engraçado, mas era uma forma carinhosa e de
muito respeito.
Meu "Pai Véi" |
“Pai
véi” gostava de pitar o seu cachimbo e
de enrolar um cigarro de papel e fumando permanecia por horas pensativo. Mas aquele silêncio e solidão por alguns
momentos deixavam de existir, era quando ele tinha a atenção de um dos filhos,
muitas vezes meu pai chegava do trabalho
e passava um bom tempo conversando com ele.
Era
quase um personagem sem ação, sempre apagado pela força e energia que a minha avó
impunha na casa, e assim meu avô foi vivendo sua vida até finalmente subir para
outra dimensão em idade bastante avançada. Aliás, mesmo tendo sido ausente no seu papel de avô,
ele foi muito importante em nossas vidas, pois aprendemos o que é respeito de
verdade com a convivência que tivemos com
nossos avós. E quero dizer que o nosso avô foi uma relíquia que deixou lembranças de uma figura genuinamente antiga, a do nosso velho avô que chamávamos de “Pai Véi”.
Já
a minha avó Rita, era muito invocada mesmo. Nós meninas crescemos e passamos
para a fase de “mocinhas” com a nossa avó
correndo atrás de nós pela nas
ruas. Ela vigiava muito mais as minhas primas que moravam com ela. Nos momentos
de distração dela lá íamos nós para uma fugidinha, mas logo minha avó aparecia xingando e colocando a gente de volta para
casa.
Recordo-me
de uma bela 4ª.feira, estação brilhante,
verão, calor, pré carnaval. Tinha ensaio de um bloco de carnaval próximo a
nossa casa chamado “Bloco do Cata”. Conseguimos dar uma fugidinha, mas não sei
como minha avó descobriu e foi lá no bloco atrás das netas. Nossa sorte foi que
a vimos de longe e com medo do vexame saímos correndo de volta para casa. Essa
ficou na história.
Na verdade o que ela queria
era cuidar para que seguíssemos os preceitos da época, não era bom as meninas avançarem, tudo tinha
seu tempo.
Minha
avó Rita era assim,
Mulher
brava, mas de alma boa,
Mulher
de vida humilde, mas de atitudes assim,
Mulher
com garra e trabalhadora, com sonhos de dias melhores,
Amando
Roberto Carlos ela demonstrava ser uma mulher sensível,
Fazendo
a oração da Ave-Maria ela era uma mulher temente a Deus,
Mulher
forte, mas frágil de sabedoria,
Mulher
com defeitos, mas que o tempo mostrou a virtude do seu SER.
Minha
avó Rita morreu em 2004 aos 98 anos, com a saúde fragilizada depois de muitos
anos acamada e recebendo cuidados e carinho 24h por dia pela filha e netas.
Minha
avó Rita era assim ...
.... de qualquer maneira não posso deixar de amá-la.
Minha avó era assim |